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Lidando com Epidemias no Brasil: A História da Febre Amarela e Gripe Espanhola #CiênciaUSP


No início do século 20, a cidade do Rio de Janeiro enfrentava sérios problemas de saúde pública, como a varíola, peste bubônica e febre amarela, que contaminavam uma grande parte da população e preocupavam as autoridades. Foi então que o presidente Rodrigues Alves iniciou uma série de reformas urbanas e sanitárias que mudaram a geografia da cidade.
Rodrigues Alves liderou uma reforma do Rio de Janeiro dentro daquilo que a França já vinha fazendo. A ideia da medicina urbana reapareceu no Rio de Janeiro. O presidente abriu as grandes avenidas e liberou os ares, mas para isso, teve que expulsar a população mais pobre dos cortiços e quartos de aluguel e julgar toda essa população para as favelas, seguindo a linha de trem na Baixada Fluminense e expulsando essa população.
Osvaldo Cruz assumiu a direção geral de saúde pública em 1903. Ele era um homem da bacteriologia e, com ele, de alguma maneira, ganhou um poder no Rio de Janeiro através do Instituto Soroterápico. Mas logo começou a desenvolver uma área que seria central para o desenvolvimento da medicina e da saúde pública, que é chamada de medicina experimental, ou seja, os laboratórios. Ele começou a atentar para a questão da febre amarela como algo que deveria ter uma ação de largo espectro, colocando uma lei de vacinação obrigatória contra varíola e inclusive impedindo que as pessoas pudessem trabalhar e os filhos frequentarem a escola. Todo mundo deveria andar com sua carteirinha. As casas de alguma maneira vão sendo invadidas para se ver se há mosquitos. Obviamente, tudo isso dentro de uma certa desordem. Essa ideia do autoritarismo da invasão das casas, do olhar para o outro, principalmente pobre e negro, é com todo o preconceito possível e imaginável. Você tem esse lado que, na verdade, decorre na Revolta da Vacina. A campanha envolveu, segundo os autores, muita coisa e outras intenções, não apenas a população mais abastada.
A população foi inflamada e de alguma maneira, colocou-se contra a vacinação e foi para as ruas. Mas por outro lado, venceram a febre amarela, que foi considerada erradicada no Rio de Janeiro em 1907. A varíola voltou a aparecer em 1908, mas desta vez, a própria população procurou os postos.
Em São Paulo, a história não foi diferente. Recebeu vários médicos que queriam criar uma primeira faculdade de medicina pública no estado. Em 1911, foi criada uma primeira faculdade de medicina, que era uma faculdade de medicina privada dentro de uma universidade privada, que se chamava União Livre de São Paulo. Haviam ali um curso de medicina. Quando Arnaldo Vieira de Carvalho chegou, juntou-se a um grupo em 1912 e conseguiram, com uma certa pressão, criar uma faculdade oficial. Durante algum tempo, São Paulo teve duas faculdades concorrentes. A faculdade do Arnaldo Vieira de Carvalho obviamente começou a bloquear esta faculdade, até que essa faculdade foi obrigada a fechar as portas em 1917 e a nossa faculdade seguiu um caminho sozinha.
A Fundação Rockefeller buscava um espaço para construir uma faculdade de medicina na América do Sul. Após tratativas, a Fundação modificou o ensino e o modo de pensar a medicina e a ciência médica e Arnaldo conseguiu capturá-los aqui em São Paulo. Eles gostaram muito porque viram que era uma faculdade nova que estava sendo criada e que eles teriam muita espaço de ação. De fato, eles mudaram todo o currículo médico e propuseram um investimento de mais de um milhão de dólares para a construção deste prédio onde estamos e do que é a Faculdade de Saúde Pública que era o Instituto de Higiene.
Tudo que faltava ganha esse espaço. Começa a fazer uma circulação de conhecimentos em que professores e alunos viajam para John Hopkins para aprender a medicina e um modo de pensar a medicina e a ciência médica norte-americana que vem para cá e também traz professores para cá.
A Faculdade de Medicina enfrentou o primeiro grande desafio: a gripe espanhola. A doença matou de 50 a 100 milhões de pessoas entre 1918/1919. No Brasil, houve cerca de 35 mil óbitos. Entre eles, o presidente Rodrigues Alves. Estudos mostraram que a gripe espanhola atacou principalmente a região Nordeste e a região Sul, a região Sudeste e a região Centro-Oeste foram afetadas. Ela atacou onde se tem obviamente maiores conglomerados humanos. A cidade de São Paulo foi a mais afetada, porque tem então essa população imigrante chegando e houve um crescimento de São Paulo nesse período. A cidade é uma cidade que vai ser a mais afetada, porque a população imigrante chega cada vez mais. O Brasil entrou na Primeira Guerra Mundial (“O Brasil é capaz e na guerra irá como ente moral”).
Atualmente, existe um retorno de doenças que já foram consideradas erradicadas, como o sarampo, a polio, a rubéola e a difteria, por exemplo. Mas o que garantirá uma maior cobertura vacinal? André Motta faz um alerta: a maneira como a sociedade vem se organizando acaba levando a dois elementos que precisam ser pensados de maneira conjugada. O campo científico hoje no mundo possui um desenvolvimento de contenção epidêmica e de conhecimento de bactérias e de vírus que realmente em disco são muito poderosos, mas por outro lado, o desenvolvimento tecnológico não convive sozinho e não dá conta sozinho. Dependendo de como a sociedade se coloca diante do mundo, quando encontramos uma sociedade absolutamente fragmentada, uma sociedade em que o capitalismo acaba e vem produzindo deslocamentos novamente forçados através das guerras, produzindo uma onda de refugiados que são obrigados a sair da sua própria terra para irem para outros locais, encontramos uma sociedade absolutamente dividida entre miseráveis que não têm o que comer e uma riqueza fútil, a tecnologia não dará conta. Há que se ter uma sociedade que se pensa também democrática, com valores em que essas duas coisas (desenvolvimento científico e desenvolvimento humano) possam ser congregados. Quando essas duas coisas não se congregam, o que se tem são as doenças do progresso. Hoje, temos epidemias que não são só epidemias frutos de bactérias, como a de sofrimento mental e a de suicídio, que são novas formas de epidemia que revelam exatamente isso. Não basta apenas o desenvolvimento farmacológico e médico, há que se ter um outro desenvolvimento de campos social, cultural e político da nossa sociedade. Sem a consciência disso, acreditamos apenas que a tecnologia vai nos salvar e ela não vai.
Fonte: Epidemias no Brasil: como o País lidou com a febre amarela e a gripe espanhola [2/2] #CiênciaUSP por Canal USP