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Alzheimer: como lidar e preservar memórias afetivas com um pai portador

Oi, novo gravar um vídeo agora, agora é fala assim: vamos gravar para o YouTube. Vamos? Você gosta do YouTube, gosta né?

Ó mãe, o pessoal do YouTube gosta de você. É quando não tem vídeo, falam com quem botou, né? Ó, quando não tem vídeo, as pessoas falam assim: “Cadê a Francisquinha? Tá na roça”. A Francisquinha trabalha na roça. E o que que você faz na roça, conta para mim? Que que você faz na roça?

Você dá comida para os porcos? Como é que é, fala para mim?

Mais ou menos, eu dou frango. Isso aqui é que tá muito escuro! O beleza, agora sim, agora sim. A gente pode bater um papo bem legal, né?

Não, mamãe, aí não. Aí não dá. Dá para mim?

Aí não pode, tá, porque acho que eu só não dou ali. Não pode a terra. Ó senta aqui. Senta.

É vou ficar nós duas aqui, bom né? É hoje é que Francisquinha não foi na rua. Tá ventando muito. Muita gente, muito.

Né mamãe? Um vento muito forte e ela não gosta, mesmo que ela esteja agasalhada, o vento incomoda, né minha filha?

Ah, pois é. Aí a Francisquinha ficou presa em casa, muito ruim, né?

Mas amanhã você vai passear, né? Não fica não mamãe?

Meu pai, ele é o perto. É o meu pai, né? É o meu pai, né? O meu pai em seu marido, né? Não, não né? Não mãe, ó.

A mamãe olha. Meu pai é José Alves Sobrinho. Como é que é? Meu pai é José Alves Sobrinho?

José Alves Sobrinho é o seu marido, o seu marido é o meu pai é.

E se lembrou dele agora! Ele era seu marido, né? Há mais ou menos. Ah, então tá bom, tem problema não pode ser mais ou menos mesmo.

A mamãe, ele foi para uma viagem muito longa. Já tem mais de, deixa eu ver, quanto tempo? Mais de 40 anos que ele viajou, o meu Deus do céu, gente é uma pessoa me falou assim: “Por que você só grava de noite? Não é de noite a moça do YouTube aí. Eu tô explicando que não é que eu gravo de noite. Às vezes, no dia não, eu não consigo gravar, entendeu?

Hoje eu fiquei sozinha com ela, já que criar comida, arrumar a casa, arrumar banheiro, lavar louça, né, mãezinha?

E aí, aí tem dia que eu não consigo. Eu trabalho, estudo, trabalho. O meu trabalho é em casa na internet, né? Eu crio conteúdos para o curso, é né? Eu trabalho lá no computador, faço faculdade online.

Por isso que eu tenho que fazer tudo aqui para que eu possa cuidar da Francisquinha e dela.

E da Francisquinha. Aí eu cresci, sinhá. Quem é o cresceu?

O seu Crisinha botou seu nome.

E os machos?

Eu sou saudade. Meu pai, mais, mais fraco. Samba. Meu mais do que eu, mãe. Seu pai é bonzinho.

Ele te bate-se, bate, bate, né? Batia. Não bate mais, não. Ninguém bate.

Mãe, você sabia que hoje é Dia do Idoso?

Oi? Eita mãe, você é idosa, não? Não, né? Olha em pano salão. Hahaha. É uma bonita, é bonito, né?

E hoje é sexta-feira, amanhã é sábado, e depois é o quê?

E o sono tá chegando, vou fazer o chá.

Vamos tomar chá?

O que é chá? Eu gosto de chá, não estão achar?

Todo dia chá de camomila para você ficar boazinha, dormir bem. Você não gosta não, ué?

Eu pensei que era o menininho da mãe dela. Não é não, né? Menina, é a menininha. A menininha sou eu. Eu sou a sua Cláudia.

Meu Deus, que cansaço. Você quer dormir? Quase daqui a pouco, né? Depois do chá, né? Então tá bom.

Mas vamos voltar a falar do José Alves Sobrinho. É seu marido, sabia, sabia. Lembrou dele. José Alves Sobrinho é seu marido.

E o seu pai não tá aqui, não tá doente? Está doente, ele tem o quê? É José Marcolino. Ela, né? E eu achava aqui no lugar do Povo, né?

Pois é, uma menina muito correta, ela é muito boazinha, sua bisneta. E o menino, o Ricardo, seu neto, seu neto mora na Holanda já era né?

E o meu Deus que soninho. Não falaram alô? Me falou não.

Hoje é sexta-feira, dia da Chiquinha.

Você já tomou banho? Tomou né? Tá cheirosa.

Você reclama para tomar banho?

Claro né, reclama da cascuda, dá unhada. Mas depois fica tudo bem. Não é isso aí, gente?

Pois é, sexto olhos gatos. Olha os gatos.

Outro debaixo da cadeira. Finalmente acabou a obra aqui e a pintura terminou, mas ainda falta terminar o banheiro, né mãezinha. O banheiro ainda não terminou não. Aquele banheirinho que a Francisquinha estragou. Quando tiver pronto, eu mostro para vocês, né mãezinha? É isso aí. Então tá, boa noite para o pessoal da internet. Pessoal do YouTube, fala. Boa noite pessoal e não quer tá cansada. Boa noite. Fala assim ó, gente quero saber se tá frio na sua cidade, né? Qual a cidade que você está assistindo a Francisquinha? Qual estado e qual país? Eu recebi o recado a gente de Hiroshima que tão feliz que a Francisquinha tá lá e Hiroshima. Gente tá em Portugal, em todos os lugares.

Então diga para mim, diga de onde você está assistindo a Francisquinha. Beijinho para vocês e até amanhã.

Fonte: Alzheimer – Lembrando do meu pai. por Francisquinha Alves – O bom do Alzheimer