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Por que a representação do autismo na ficção é inadequada? | Análise psicológica

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Como o Transtorno do Espectro Autista é Retratado em Filmes e Séries

Olá, eu sou a Escola Buscar de Chagas, apresentadora do canal “Minutos de Sanidade”. Hoje vou trazer uma reflexão sobre como o transtorno do espectro autista é retratado em séries de TV e filmes hollywoodianos.

Antes de começar, quero te fazer uma pergunta: quais são os primeiros personagens que vêm à sua cabeça quando você pensa em autismo? Pense por alguns segundos. Muito provavelmente você deve ter se lembrado de personagens como Shaun Murphy, o cirurgião jovem de “The Good Doctor”, ou Sheldon Cooper, o excepcional físico teórico de “The Big Bang Theory”. Talvez você tenha pensado em Sherlock Holmes, o detetive mais famoso da ficção, que muitos sugerem estar dentro do espectro autista.

Apesar desses três personagens terem profissões distintas, eles têm duas características em comum que podem ser facilmente notadas pelo público: todos são personagens masculinos e o transtorno do espectro autista ainda é muito explorado em filmes e séries. E há um motivo mais óbvio de todos, eles despertam muito interesse e curiosidade do público em geral por causa da relação entre o autismo e a genialidade.

No entanto, algumas considerações precisam ser feitas. Como destacado pela psiquiatra Christi Doyle em um artigo para o Hollywood Reporter, antes de falar sobre essas considerações, vamos tentar compreender de maneira breve o que é o autismo e o que é o famigerado espectro autista tão discutido por psiquiatras e psicólogos.

O transtorno do espectro autista é um transtorno de neurodesenvolvimento, ou seja, é um transtorno que se manifesta cedo, antes do indivíduo sequer ingressar na escola. Ele é caracterizado por déficits no desenvolvimento que acarretam um prejuízo no funcionamento pessoal, social, acadêmico ou profissional. O transtorno do espectro autista possui como características déficits na comunicação, na reciprocidade social e na habilidade para desenvolver, compreender e manter relacionamentos. Além desses déficits na comunicação, o indivíduo com Transtorno do Espectro Autista possui padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades.

Em maneira bem resumida, uma pessoa com Transtorno do Espectro Autista tem dificuldade em interagir com outras pessoas. Além disso, possuem dificuldades na fala e exibem padrões de repetição de interesse, ou seja, eles costumam ficar obcecados por um assunto e o estudam a fundo. Essas características podem ser positivas, mas o transtorno do espectro autista é considerado um transtorno pois, eventualmente, esses indivíduos podem ter prejuízos sociais, profissionais ou pessoais.

Se analisarmos o nome “transtorno do espectro autista”, a palavra “espectro” nos faz entender que, ao contrário da maioria dos transtornos, existe uma gama muito variada de indivíduos com características distintas dentro do espectro autista. O termo “Síndrome de Asperger”, por exemplo, caiu em desuso porque hoje ela está inserida no espectro.

Perceba que as características descritas são até um pouco vagas, pois existe muita diversidade e nem toda pessoa no espectro necessariamente possui dificuldade de interação social ou é obcecada por alguma coisa específica.

Isso nos leva ao primeiro problema da representação do espectro na ficção: a mídia mostra apenas um lado do autismo, impedindo que o público entenda como o espectro é diverso. A mídia mostra apenas o lado genial do espectro. Esses personagens geralmente têm déficits de interação social, apesar de serem geniais. Existem indivíduos superdotados dentro do espectro, mas eles representam uma parcela consideravelmente pequena dos diagnosticados. Grande parte dos indivíduos dentro do espectro têm uma inteligência normal, em alguns casos, possuem a comorbidade de deficiência intelectual.

A psiquiatra Christi Doyle usa o termo “modelo de neurometria” (tradução livre feita por mim) para definir a imagem típica do espectro mostrada pela mídia. Isso nos leva ao segundo problema: a alteração da percepção de indivíduos no espectro e dos pais desses indivíduos. O público tem a percepção errônea de que o autismo é só o arquétipo mostrado pela mídia. Eventualmente, se uma parcela desse público tiver contato com o espectro, seja através de um filho ou de um aluno (no caso de educadores), eles vão ter a expectativa de que a criança seja um gênio, um próximo Sheldon Cooper, e com certeza vão se decepcionar.

Eu mesmo já atendi muitos pais que estavam animados com o diagnóstico do filho por conta desses exemplos da ficção. E sinceramente, dar notícia de que casos como os dos personagens são raros dentro do espectro é como jogar um balde de água fria neles. Eventualmente, essa expectativa vai gerar um mal-estar até para a própria criança, por ela mesma não atender às expectativas esperadas pela sociedade.

Se a representatividade dos personagens na mídia fosse mais realista, mostraria o autismo de uma maneira menos estereotipada. Além disso, teríamos outros benefícios. Ao construir personagens diferentes e únicos dentro do espectro, estaria ao mesmo tempo promovendo a diversidade e aceitação do espectro autista na sociedade. E também ensinaria o público a desconstruir a imagem distorcida que temos dos indivíduos dentro do espectro.

Além disso, acredito que as próprias obras ficariam narrativamente mais ricas com a inserção de personagens mais únicos. Eu pessoalmente gosto muito quando uma série mostra personagens que extrapolem os estereótipos óbvios, trazendo mais verossimilhança e riqueza à obra.

Não muito tempo atrás, personagens afrodescendentes, latinos e homoafetivos eram muito estereotipados em Hollywood. Mas vejo que hoje em dia a tendência é tentar quebrar os estereótipos para trazer mais profundidade às séries e aos filmes.

E se você tiver qualquer dúvida a respeito do espectro ou mesmo caso você tenha chegado a este vídeo justamente porque você está no espectro, por favor deixe nos comentários a sua opinião sobre o assunto.

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Fonte: Por que a representação do autismo na ficção é tão problemática? | PSICOLOGIA por Minutos de Sanidade