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Enxaqueca: 20 anos convivendo com a condição – Você e o Doutor

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Você já imaginou todos os dias ter uma dor dessa, como se fosse uma martelada? Sabe, é como se alguém estivesse batendo com um martelo muito forte. Eu realmente não consigo me levantar da cama, ela dói nessa região, nos dois lados e na nuca. É como se fosse batidas de taça, fico imaginando o dia inteiro sentindo batidas.

Raquel tem 39 anos, é casada, mãe de dois filhos e convive com uma enxaqueca que virou o maior problema da família. Ela não participa da família, então normalmente quando eu tenho uma crise em casa, lá no quarto, foi de férias. Ela fica no quarto, jogo com as crianças, então é como se fossem dois ambientes, um belo e um nosso.

Enxaqueca é uma doença crônica, caracterizada geralmente por dores em apenas um dos lados da cabeça e em seguida de náuseas. Especialistas ainda não descobriram a causa, mas acreditam que o problema é provocado por um distúrbio neurológico, que pode ser causado pelas alterações hormonais.

Quando estou muito nervoso, muito estressado, minha cabeça dói. A frequência não é diária, mas às vezes eu tenho a semana inteira por conta de uma sinusite. Quando atacada, uma preocupação pelo menos uma vez por semana tenho dor de cabeça. Hoje eu estou com dor de cabeça.

Toda vez que eu bebo, a dor de cabeça sempre ataca. As crises da Raquel começaram aos 17 anos. No início, as dores vinham uma, no máximo duas vezes ao mês. Hoje, ela dorme e acorda com dor de cabeça. Eu convivo diariamente com dores. Estou falando com você agora, estou com dor, de 4 a 6 na escala de 0 a 10. Mas no período da TPM, que é uma semana de dor, eu sinto dor 11, é como se eu tivesse sentindo marteladas toneladas. Então dói muito.

E não são poucos os tratamentos que ela fez. Raquel diz que já tomou mais de 60 diferentes medicamentos, entre analgésicos, anti-inflamatórios e até antidepressivos. Passou pelos melhores especialistas em dores de cabeça, chegou a fazer quatro cirurgias para amenizar os sintomas.

Ela tinha um grau alto de astigmatismo e miopia, o médico falou que essas dores poderiam ser por conta disso. Então, eu fiz a cirurgia, mas não resolveu. Eu tinha um problema de gastrite e refluxo, o médico também o gastro, achou que poderia ser também por conta disso. Então, fiz uma cirurgia de hérnia de hiato e não resolveu. Aí fiz uma cirurgia também de ATM, o médico também o buco maxilo, achou que poderia ser por conta disso. Inclusive, eu uso o aparelho, um parafuso. Não resolveu, não adiantou nada. E também tirei a vesícula, também poderia ser por conta disso. Também não resolveu. A esperança então eram tratamentos alternativos.

Raquel passou por sessões de acupuntura, botox na região da dor e foi parar até em um médico índio, que prometia aliviar as crises com chás e terapias naturais. Ele pegava cebola, babosa, alho, ervas e colocava na minha cabeça, fazia essas técnicas dele lá, utilizava as técnicas, né, e me dava os remédios que também eram naturais, feitos com cebola, com alho, e ele falava que esse medicamento ia me curar. Mas eu tomei, eu fiz o que ele falou, mas não resolveu.

Só nos últimos dois anos, o marido calcula que já gastou quase 30 mil reais em tratamentos com a Raquel. O último investimento foi este aparelho que emite impulsos elétricos. Eu chego a ficar com ele até uma hora. Enquanto tá usando, ele emite uns choques, né? É até gostoso, um choque forte. Isso fica deitado, fica relaxado. Depois que tira, depois de uns dez minutos, ele ainda faz efeito, é como se tivesse adormecido essa região. Então, é bom. Só que, depois desses dez minutos, volta a dor de cabeça.

Sem respostas aos tratamentos, a Raquel passou a se isolar dos amigos e até mesmo da família. Só pra gente ter ideia, a mãe dela mora a uns 500 metros aqui da casa da Raquel e ela já ficou mais de uma semana sem visitar a mãe por causa das dores de cabeça. A maior parte do tempo, ela passa aqui neste quarto, completamente escuro, com a televisão no mudo e sem que ninguém a importune.

Quantas horas seguidas você chegou a passar aqui dentro? Até uma hora. Eu já fiquei dois a três dias aqui, sem fazer nada. Só realmente deitada. Só levantei pra tomar banho e desci pra comer alguma coisa.

O isolamento trouxe prejuízos. Raquel era chefe do departamento de RH de uma multinacional, tinha bom salário e perspectiva de crescimento na empresa. Mas a doença interrompeu a carreira. No final de 2014, foi demitida. Deixei de produzir e deixei de fazer entregas. O rendimento era o básico, do básico. Sem saber quando terá crises, a psicóloga tem medo de marcar qualquer compromisso. Ela já perdeu duas viagens, festas de aniversário dos filhos e até o fim de ano com a família.

Eu passava o ano novo no quarto escuro, chorando como um murmúrio. Hoje eu posso falar, não tenho quase nenhuma vida social, porque eu não saio, eu não recebo amigos em casa, porque eu não gosto do barulho. Então, é ao mesmo tempo que eu gosto das pessoas, é o barulho que me irrita.

Minha preocupação vai longe. No ano que vem, a irmã vai casar e Raquel foi convidada para ser madrinha. O drama já começou oito meses antes. Então, assim, desesperada ao mesmo tempo que eu fiquei feliz em ser convidada, eu tô triste porque eu não sei como eu estarei. É bem bem triste, sem isso te incomoda. Olha como é que sabe.

A gente deixa de viver um sofrimento que deixa a família inteira arrasada. Então, essa semana mesmo, no sábado, as crianças foram para um cruzeiro universitário. Uma menina, Nicole, ela foi levada. Só que pra voltar, ela já não ia mais conseguir voltar para lá com dor de cabeça. Aí eu peguei um ônibus e fui lá em Cruzeiro buscar ela. Não são essas situações que a gente passa e deixa três por cento tem paciência com nada, tudo que fala ela já grita.

Hoje, Raquel toma todos os dias um medicamento para diminuir as crises, além dos analgésicos, e sonha com o dia em que ela e toda a família deixem de ser reféns desse sofrimento.

Gostaria pelo menos de tomar um medicamento que desse um alívio da dor, alguma coisa que diminuísse a dor. Que eu pudesse ter uma vida normal. Então, eu gostaria de tomar um medicamento de manhã e ficar o resto do dia normal, né? Que eu pudesse ter uma vida normal, que hoje eu não consigo, não consigo fazer nada, nada, nada, nada.

Fonte: Você e o Doutor: Raquel convive com a enxaqueca há 20 anos por Hoje em Dia