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Desmistificando os mitos sobre lesões cerebrais irreversíveis

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Neuroplasticidade: A Capacidade Adaptação do Cérebro

Quando o cérebro sofre um dano devido a um trauma provocado por um acidente de trânsito ou um derrame, por exemplo, células nervosas e suas conexões, que são chamadas sinapses, são perdidas. Durante muito tempo, acreditou-se que uma vez que o cérebro sofresse uma lesão, as vítimas estariam condenadas a usar apenas as funções que sobraram, que não foram afetadas por aquela lesão. Mas ao longo das duas últimas décadas, foi feita uma importante descoberta e numerosos estudos a confirmaram: quando neurônios e sinapses desaparecem devido a um trauma, os neurônios vizinhos compensam a perda e tentam restabelecer as conexões ausentes, o que efetivamente reconstrói a rede neural danificada. Ou seja, os neurônios vizinhos, aqueles que não foram afetados, não intensificam seu trabalho, realizam algo que nós chamamos de “crescimento compensatório”. Esse crescimento é de suas partes mais importantes da célula, que é o axônio, e os chamados dendritos, que são prolongamentos naturais da célula nervosa, que passam então a crescer e se estender por aquelas regiões que foram lesadas. Isso recupera definitivamente as conexões perdidas, a complexa rede neural de que cada célula cerebral faz parte.

Olhando para trás, nós achamos hoje estranho que a ciência tenha negado as células cerebrais uma capacidade comum a várias outras células de outros tecidos. Desde o fim do século 18, os cientistas já sabiam que os neurônios do sistema nervoso periférico, por exemplo, podiam se regenerar. Em 1776, William Componente, que é um anatomista escocês, cortou meia polegada do nervo vago do pescoço do cão. O nervo vago é o único que se conecta com o cérebro, estendendo-se ao longo da artéria carótida no pescoço, está envolvido em algumas importantes funções, em manter, por exemplo, a laringe aberta para respiração. Se as duas pontas do nervo forem cortadas, o resultado é letal. Porém, ao cortar apenas uma extremidade, descobriu que ela se curava a estava logo preenchida por um novo tecido nervoso. Quando resolveu submeter seu artigo à Royal Society, o cientista foi recebido com ceticismo, passando décadas sem ser publicado. Nessa época, outras evidências surgiram para confirmar que nervos periféricos, como o vago, podem se regenerar-se novamente depois de cortados.

Mas durante séculos, as pessoas acreditaram que os livros do sistema nervoso central não possuíam a mesma capacidade. E assim, vários estudos foram feitos, provando que o sistema nervoso central também é capaz de se regenerar, embora de maneira diferente e menos eficiente do que o sistema nervoso periférico.

Entretanto, graças à neuroplasticidade, o cérebro pode se remodelar e remapear suas conexões depois de um dano. Esse novo mapeamento é a definição prática de neuroplasticidade, hoje um assunto em voga. O termo “neuro” vem de neurônio, enquanto “plasticidade” se refere à maleabilidade.

A antiga teoria afirmava que os recém-nascidos constituíam suas redes neurais como parte natural de seu desenvolvimento, e que após essa fase, o processo cessava e o cérebro se tornava imutável. Ou seja, ele não evoluía mais. Passado o período embrionário-gestacional, o cérebro permanecia o mesmo, um “gelado”, do jeito que estava.

No entanto, isso não é verdade. Nesse momento, nesse exato momento, enquanto você escuta o que eu digo, se perguntam por que as palavras sumiram, seu cérebro está se remodelando. Seu cérebro está se remodelando neste momento. Não é necessário nenhum dano para desencadear esse processo. Isso porque evoluir e curar são duas funções intimamente ligadas. Basta estar vivo. Podemos estimular a neuroplasticidade, principalmente quando nos abrimos a novas experiências. Melhor ainda é nos prepararmos deliberadamente para aprender novas capacidades.

O fato de sabermos disso faz toda a diferença. Mas precisamos principalmente nos lembrar de que os neurônios são nossos servos. Ao dizer isso, eu estou querendo mostrar para você que essas células respondem aos nossos comandos, aos nossos estilos e aquilo que demandamos a eles. Por exemplo, se eu me disponho a aprender uma coisa nova e participar de novas experiências, me esforçar para evoluir de alguma maneira, esses meus neurônios precisarão evoluir também, crescer, se remodelar. E é disso que fala a neuroplasticidade, é exatamente sobre isso, os neurônios respondem aos nossos comandos, eles precisam se adaptar aos desafios e aos estímulos que propomos a eles. A neuroplasticidade é a mente se tornando matéria, à medida que os pensamentos geram um novo crescimento neural.

No início, o fenômeno era ridicularizado e os neurocientistas menosprezados por usar esse termo. No entanto, muitos conceitos novos que provavelmente serão aceitos daqui a décadas são julgados hoje como sem sentido, inúteis. A neuroplasticidade passou sim por um difícil começo antes de se tornar uma estrela, mas enfim, para o bem da humanidade, a neuroplasticidade, sendo entendida como verdade, o cérebro se tornou um órgão maravilhosamente adaptável e extraordinariamente regenerável. Hoje, a esperança de que mesmo no cérebro danificado pela doença de Alzheimer, por exemplo, se diagnosticados cedo, a neuroplasticidade pode ser desencadeada. É uma das mais brilhantes possibilidades para futuras pesquisas.

Fonte: As lesões cerebrais são irreversíveis – MITOSOBRE por Fisio Matos