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Como evitar a sobrecarga de tarefas e a melancolia infantil.

Eu gostaria de saber à respeito da sua experiência em questão de excesso de atividades dada pelos pais e dadas pelas próprias escolas, onde as crianças ficam acumuladas e vem a melancolia, a tristeza, o desamparo por estar longe de casa. De fato, me parece que a gente está vivendo uma infância, muitas vezes, sem tempo e sem espaço.

Sem tempo na medida em que, como os adultos, estão muito ocupados. As crianças são terceirizadas e terceirizada é uma palavra um pouco enganosa. Porque nesse que entra pode até ser um terceiro para o adulto, mas, muitas vezes, para a criança não é uma extensão de uma relação que ela teve primeiro com o núcleo fundamental de relação e que depois se estende para um lugar terceiro. Muitas vezes, há delegações muito precoces – a escola ou as babás – que rompem essa identificação primeira da criança, porque ela ainda não está pronta.

Então esse laço se esgarça, se estica cedo demais essa corda e a criança perde essa referência. Então tem crianças que se entristecem, que adoecem, que chegam na escolinha e dormem, ou seja, que se apagam psiquicamente. Já com crianças um pouco maiores vai se vendo essa questão da agenda cheia em que as crianças passam a ter a agenda lotada. Então, muitas vezes, circulam de uma aula disso para uma aula daquilo, para uma aula de artes, para uma aula de música, para uma aula de esportes, para uma aula de línguas, e vão indo de um lugar para o outro completamente desvitalizadas.

Ou seja, carregadas pela agenda e não autoras dessa produção. E às vezes são crianças que chegam em você: “O quê você aprendeu na sua aula de música? Uma canção?”. “É, não me lembro”. E esse “não me lembro” não é com a angústia de quem tenta evocar e não consegue, é com “que importância isso tem”.

É uma apatia, “deixa pra lá”. Ou seja, se enche a agenda, mas se carece do tempo necessário para o alinhado do sujeito. E tem uma frase do Freud que eu gosto muito que ele diz que é o fio do desejo que alinhava passado, presente e futuro e é como se esse fio se perdesse, então a criança fica desalinhavada.

Qual é a razão dessas passagens? Ela não vai nelas movidas por um desejo, ela vai na série do “fazer de tudo”. E “fazer de tudo”, se você faz de tudo, tanto faz o que você faz, isso se equivale, termina em nada. Essa criança que está enjoada, sem graça, desvitalizada diante dessa série de atividades que ela tem que fazer para se preparar para um futuro, porque resulto que o mundo é um lugar ameaçador, que não tem lugar para todos.

Então tem que se preparar, mas cadê o fio que a move, que a alinhava? É preciso tempo para fazer isso.

Fonte: A melancolia infantil gerada pelo excesso de tarefas por Café Filosófico CPFL