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Podcast Outras Histórias aborda a dependência química em uma conversa franca e informativa.

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E aí?

Olá, eu sou Drauzio Varella e aqui você vai ouvir outras histórias.

Ou seja, as drogas lícitas ou não todas provocam aumento rápido na liberação de dopamina, um neurotransmissor que está envolvido nas sensações de prazer. Aquele prazer intenso dá origem ao chamado aprendizado associativo. O que é droga? Prazer, droga trazer mais droga, trazer mais droga ainda. Isso constitui a base do condicionamento. É a repetição da experiência. Os neurônios que liberam dopamina já começam a entrar em atividade ao reconhecer os estímulos ambientais e os estímulos psicológicos também, vividos nos momentos que antecedem o uso da droga. Esse fenômeno é conhecido popularmente com o nome de fissura. Todo mundo conhece. É por esse mecanismo que voltam os locais em que a droga foi consumida, entrar em contato com pessoas sob o efeito da droga, e o estado mental que predispõe à pressão ou seja, o usuário para repetir a dose.

O condicionamento que leva à busca da droga fica tão enraizado nos circuitos cerebrais que pode causar surtos de fissura depois de longos períodos de abstinência. A pessoa deixa de ser usuária, mas a dependência persiste. Eu parei de fumar há mais de 40 anos. Não sou mais usuário, mas se eu fumar um cigarro por brincadeira, eu vou querer comprar um maço. Eu deixei de ser usuário, mas não deixo de ser dependente.

As recompensas naturais, como aquelas obtidas com alimentos saborosos e com o sexo, também estão ligadas à dopamina. Mas nesses casos, a liberação de dopamina é interrompida pela saciedade. Quando se come muito, não tem mais fome. Quando se teve uma relação sexual, tem um período de descanso. As drogas psicoativas, ao contrário, armam os curtos-circuitos que bloqueiam a saciedade natural e mantêm os picos elevados de dopamina. Por essa razão, comportamentos compulsivos por recompensas como comida e sexo são mais raros do que aqueles associados ao álcool, à nicotina, à cocaína, à heroína.

O condicionamento empobrece os pequenos prazeres cotidianos, como encontrar um amigo, brincar com uma criança, apreciar uma paisagem bonita. No usuário crônico, os sistemas de recompensa e motivação são reorientados para os picos de dopamina provocados pela droga e pelos seus gatilhos antecipatórios. Com o tempo, a repetição do uso torna os neurônios do sistema de recompensa cada vez mais insensíveis à ação da droga. Isso é conhecido como tolerância. A tolerância reduz o grau de euforia experimentado no passado e provoca uma fase de apatia, falta de motivação na vida diária. E leva ao aumento de uma das doses. E aí acontecem as mortes por overdose. É por causa da tolerância que todo maconheiro velho se queixa da qualidade da maconha atual. Porque desse mecanismo, os neurônios que formam o sistema de recompensa ficam hiperativos, reagem demais à sensação de prazer que a droga dava, ficando cada vez menos intensa, e ela é seguida de uma fase de tristeza e depressão que se instala no espírito do dependente assim que o efeito da droga se dissipa.

A pessoa deixa de buscar a droga simplesmente pelo prazer do efeito, mas mais para fugir da apatia, da depressão, da falta de motivação que a atormentam quando o efeito vai embora. A produção de serotonina resultante do uso crônico também se instala no lobo pré-frontal, a área do cérebro que fica na testa, na frente, “a bela moldura”. A flexibilidade, a seleção e a iniciação das ações, a tomada de decisões e a avaliação dos erros e acertos. O desarranjo nas sinapses dos neurônios nessa região pré-frontal enfraquece a resistência aos apelos da droga, mesmo quando a intenção é abandoná-la. É por isso que a pessoa diz: “Eu vou parar, eu vou parar de me separar”, mas acaba recaindo.

As alterações nos circuitos pré-frontais, que ficam ao lado das que acontecem nos circuitos responsáveis pela sensação de prazer/recompensa e pelas respostas emocionais, se formam como substrato para a instalação gradual do comportamento compulsivo e descontrolado que compromete a motivação para enfrentar abstinência, mesmo diante de consequências pessoais catastróficas. O usuário de crack fica jogado na rua e “é”. Mas ele não tem força para conseguir motivação para enfrentar abstinência.

Da mesma forma que nem todos correm igual risco de desenvolver diabetes, pressão alta, apenas uma minoria dos que usam drogas psicoativas se tornam dependentes. A suscetibilidade é atribuída à genética e às diferenças na vulnerabilidade. Dependendo da droga, uma pessoa que é usuária compulsiva de cocaína pode nunca testar maconha e outro usuário compulsivo de maconha pode nunca se interessar por cocaína. Fatores que aumentam o risco incluem a história familiar, ou seja, a hereditariedade e também claro, a exposição em idade precoce, a adolescência é o período mais vulnerável. Depende também das características do meio, ambientes estressantes, violência doméstica, desorganização familiar, convívio com usuários aumenta o risco. E não vamos esquecer os transtornos psiquiátricos, depressão, psicoses, ansiedade, muitas vezes aumentam o risco porque a pessoa que sofre desses transtornos vai buscar na droga a solução para esses problemas.

Os estudos mostram que cerca de 10% das pessoas expostas às drogas psicoativas se tornam dependentes. Ao contrário do que muitos pensam, não são raros os casos de “só cheirar um dia vou ficar dependente”, “se eu fumar um baseado vou ficar dependente”. Independentes, mesmo aqueles que partem para o uso compulsivo, fora de controle, correspondem a mais ou menos 10% no caso dessas drogas. Nesse sentido, a nicotina, seja fumada em cigarros comuns ou nesses famigerados cigarros eletrônicos que estão ficando na moda, o risco de ficar dependente para sempre é de 5 a 6 vezes maior.

Semanalmente, estarei aqui para contar outras histórias. A trilha sonora foi feita pela In Sonoris e a produção é da Júpiter Conteúdo em Movimento.

Fonte: Dependência química | Podcast Outras Histórias por Drauzio Varella