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O impacto do Alzheimer nos laços familiares e a saudade das histórias contadas.

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Tô aqui hoje eu acordei o coração apertado, tanta saudade da minha mãe. Ela tá aqui, já troquei ela, já dei café da manhã, mas o meu coração tá apertado demais, com vontade de conversar com ela, ouvir as histórias que ela contava, o passado dela, todas as histórias acabaram. Tô guardando aqui comigo todas que eu lembro, estou contando aos meus filhos, à minha neta, porque a história da minha mãe não vai acabar, não vai acabar.

Eu acho que eu fui muito abençoada quando tive a ideia de começar a gravar os vídeos dela, porque não só eu descobri um propósito de ajudar pessoas que passam pelo que eu passo, mas eu vou ter lembranças muito lindas, lembranças da minha mãe. Olha aqui, olha a bonequinha dela, vem cá, vem meu amor. Sim, ela já me abraçou, já me beijou.

Ela mastiga, mais bonito. Eu quero a ficha para poder arrumar o trem. Eu vou pegar o trem para você, você quer um trem? Eu vou pegar o trem para você. Fica comigo, tô querendo tanto você hoje.

Me abraçou, me beijou. Isso passa, viu gente? Isso passa. Eu sou uma pessoa de muita coragem, eu não vou dizer que eu sou uma pessoa muito forte, porque guerreira forte eu não gosto desses títulos. Eu acho que eu sou corajosa porque não é fácil. Eu não tô falando de cuidados, porque a maioria de vocês já sabe que eu sei cuidar, eu aprendi a cuidar, eu ensino a cuidar, eu tenho cursos que ensinam a cuidar. Mas eu tô falando de saudade, da saudade que dá.

Mas eu nem posso falar, ela tá aqui comigo. Olha, aproveita e muito, sabe? Não reclame que dá trabalho, porque quando parar de dar vai ser muito triste. Eu não quero que ela pare, eu quero que ela continue acordando às 5:00 da manhã, eu quero que ela continue reclamar no banho. Porque ela tá viva e tá aqui comigo.

Desculpa, foi só uma coisa. Eu sou Coitada da Vovó. Eu não quero não, porque papai não deixa. Aí eu disse assim: não, minha filha, não foi assim não. Sua mãe foi perguntar.

Gente, eu quero. Tá, mamãe? Olha isso aí, papai papai deixou. Porque alguém tem coragem de dizer? Porque eu não tinha tanta aqui. Olha, cuidem muito bem, dei todo amor que vocês têm. Então, não é uma hora eles vão, e a gente não vai aguentar de saudades? Foi essa sexta-feira, não dá. Eu tava dormindo, papai. Quando eu cheguei aqui nessa porta, aí eu disse: mamãe, eu quero a minha porta. Aí ela disse assim: não, minha filha. Eu falando, porque meu pai não é sozinho, ainda vai com a Gata. Olha.

Ela é o amor da minha vida, ele é o amor da minha vida. Eu agradeço todos os dias a Deus que eu possa cuidar dela. A mamãe disse, minha mãe disse assim: minha filha, vai contar até o trono porque amar não foi eu. Clico meu pai e a mãe, oi mamãe? Aí quando eu abri aquilo tudo, minha filha, ela ficou. Não quero nem entender. A minha mãe ainda disse: dizer para ele que era o treininho dele, fazendo cinco. Vamos cantar comigo aquela música assim: ó, eu tenho tanto para mas com palavras não sei dizer. Como é grande o meu amor por você.

E não há nada para comparar, para poder me escutar. Tô engasgada hoje. Hoje tá puxado, mas já vai passar. Já vai passar, vou tomar um café, né? São 9 horas da manhã, ela já tomou café dela, já tá trocada, já tá limpinha. Agora eu vou tomar o meu café, lavar o rosto, tomar um banho. Banho tira qualquer tristeza, banho para mim é tudo. Tomar um banho, quer dizer, eu acho que eu vou malhar primeiro, né? Passou, tá tudo bem. Foi uma saudade que me deu, sabe? Uma vontade de conversar com ela, ouvir as histórias. Eu não faço ela vir, né mamãe? Foi ontem que ela tava lá fazendo a feira. Foi…

A mãe era bem ali, né? De falar, como que tem gente que tem coragem de maltratar uma pessoa tão indefesa? Aquele ali é o dente. Olha, se você não der água, ela morre de sede. Se você não troca, você não dá banho, você não quer comida. Totalmente indefesa, como é que alguém pode ter coragem de maltratar, né? Uma pessoa assim, só amor, gente. Só amor. Só amor que a gente tem que ter, né mamãe? Vamos, só amor. Muito amor, né?

Tchau.

Fonte: Alzheimer – Uma saudade de ouvir as histórias que ela me contava. por Francisquinha Alves – O bom do Alzheimer