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Maconha medicinal: Canabidiol no tratamento da epilepsia

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Epilepsia e o Preconceito

Bom dia, vinte e dois de abril de 2020, foi publicado no Diário Oficial a autorização da primeira empresa brasileira para fabricação e comercialização do canabidiol medicinal. Neste texto, iremos falar sobre a relação entre a maconha, o canabidiol e a epilepsia.

A maconha em muitos países do mundo é classificada como droga ilícita devido aos seus efeitos psicoativos. Ela é um produto derivado da planta Cannabis sativa. Nem sempre a Cannabis sativa teve o seu nome associado ao uso recreacional ou à proibição. Existem numerosos registros do seu uso na medicina oriental desde dois mil e setecentos anos antes de cristo, em diversos países como a China e a Índia, para tratamento das mais diversas doenças. Esse conhecimento foi trazido para a Inglaterra no final do século 19 e incorporado à medicina ocidental.

Desde essa época, podem ser encontrados relatos de casos em que se utilizava o extrato de Cannabis para tratar a epilepsia, em associação com brometo, a única medicação antiepiléptica existente na época. No início do século 20, o interesse pelo extrato de Cannabis para tratamento de epilepsia começa a diminuir com a chegada do fenobarbital, um potente fármaco antiepiléptico. Alguns anos depois, com a proibição do uso e da comercialização da maconha, ao longo do século 20 e 21, a planta do gênero Cannabis vai progressivamente voltando à cena.

Várias descobertas científicas começam a se acumular. Já se sabe que a Cannabis sativa tem três grandes grupos de componentes ativos: os terpenóides, os flavonóides e os canabinoides. Já se sabe também que o nosso corpo produz canabinoides, os chamados endocanabinoides. Os receptores para os endocanabinoides se distribuem por todo o corpo, inclusive estão presentes no cérebro. Por isso, muita atenção é dada ao estudo dos canabinoides da planta. Não existem, pelo menos, 16 tipos de canabinoides, sendo os mais importantes o THC e o CBD (canabidiol).

Já se sabe que o THC é o canabinoide responsável pelos efeitos psicotrópicos e de dependência da maconha. Existe muita controvérsia sobre seu efeito, melhorando ou piorando a crise. Já o canabidiol tem claro efeito antiepilético e não possui os efeitos psicoativos e de dependência.

Em paralelo aos avanços científicos, progressivamente são publicados casos isolados na literatura e esses casos ficam famosos na mídia após a melhora da epilepsia. É o caso da Charlotte Figi, uma das pacientes que teve grande visibilidade no início dos anos 2000. Ela tinha epilepsia refratária, síndrome de Dravet, e se observou uma redução no número de crises após o uso do óleo de Cannabis. O uso medicinal da maconha aumentou a pressão pelas mudanças na legislação, impulsionado por uma grande mobilização popular pela legalização do uso medicinal da maconha.

A legislação em torno do uso e da comercialização da maconha varia muito de país para país. No Brasil, desde 2015 a ANVISA autoriza a importação e agora, em 2020, já é autorizada a fabricação e a venda da cannabis medicinal. Do ponto de vista científico, é seguro usar derivados da Cannabis para o tratamento de epilepsia? Qual a eficácia?

Os ensaios clínicos com maior poder científico até o momento foram realizados com o produto Epidiolex, uma preparação com canabidiol purificado seguindo altos padrões de qualidade. Esta formulação se mostrou segura. Os efeitos colaterais a curto prazo mais comuns foram leves, como fadiga, redução do apetite, náuseas e diarreia. Efeitos colaterais graves, como o aumento das enzimas do fígado ou o sono excessivo, ocorreram mais comumente quando o CBD estava associado a outras medicações específicas. Os efeitos a longo prazo ainda estão sendo estudados. Existem dúvidas se o uso crônico poderia comprometer o desenvolvimento cerebral, por exemplo.

Em relação à eficácia, esses estudos com o Epidiolex foram feitos em duas populações específicas de pacientes: aqueles com idade de 2 a 18 anos e com epilepsia secundária a síndrome de Dravet e síndrome de Lennox-Gastaut, que tinham crises refratárias, ou seja, que continuavam apresentando vários tipos de crise mesmo com o uso de pelo menos duas medicações antiepilépticas.

Ao comparar os resultados no grupo que recebeu CBD com o grupo controle, observou-se uma diferença significativa na redução do número de crises convulsivas e também na percepção da melhora global nos pacientes com síndrome de Dravet. O mesmo ocorreu para o estudo com pacientes com síndrome de Lennox-Gastaut. Aqueles que receberam o canabidiol apresentaram significativamente menos crises de qualquer tipo, mas especificamente menos crises de queda, chamadas drop attacks, que são crises graves com risco de traumatismo.

Por fim, sabemos que o CBD é seguro e eficaz para tratar epilepsia refratária nestes pacientes. Porém, não podemos usar qualquer CBD quando não se sabe a procedência do produto, não se sabe qual nível de segurança contra efeitos tóxicos, e quais os componentes ativos estão ali, e se eles servem para piorar ou melhorar as crises.

Aqui no Brasil, temos a disponibilidade de um produto específico, com CBD purificado. Em outros grupos de pacientes, podem se beneficiar desse tratamento, porém ainda não sabemos. Existem vários estudos em andamento com outras populações de pacientes, inclusive adultos.

Para adquirir a medicação é necessário passar em uma consulta médica e o produto deve ser prescrito em uma receita especial.

Até o nosso próximo vídeo!

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