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Descoberta do autismo aos 35 anos: história real de terapia | Histórias de terapia #50

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O dia que eu aceitei que eu sou autista

Foi o dia que eu parei de querer morrer

Porque tudo fazia sentido

Imagina você descobrir com 35 anos que você é autista

Isso aconteceu comigo.

A minha esposa, durante nossa gravidez, lendo e pesquisando coisas sobre nosso filho, descobriu que

Que o pai dela… o pai dela, não. Eu! O pai da criança tinha alguns traços diferentes, que explicavam muita coisa

Então, ela veio falar pra mim: “querido, eu tenho que te falar uma coisa importante, mas não fica bravo comigo”

“O quê?!”

“Eu acho que você é autista”

Quando ela disse isso, eu fiquei muito bravo e na negativa com ela

A imagem que eu tinha de autista era aquele cara meio “Rain Man”, que é super estereotipado

Que tem dificuldade de comunicação e é super-inteligente

Aí eu comecei a ler mais sobre o assunto e as coisas foram encaixando

Quando eu finalmente aceitei que eu poderia ser autista

Meio que meu mundo deu uma desmontada

Porque você passa as últimas décadas achando que era uma coisa, e que todo mundo via o mundo como você

E no final, não, você vê tudo diferente. Aquilo que você acreditava que era normal, não é o normal

Por exemplo, eu acabei descobrindo que os autistas são cada um de um jeito

Eu consigo olhar nos olhos das pessoas, pra eu poder falar corretamente eu tenho que dar uma…

Uma respirada, uma pensada

Porque se eu falo normalmente, eu me enrolo muito

E Isso era uma coisa que eu sofria muito bullying

E essa descoberta das coisas que tornam a pessoa autista, meio que foram me libertando

E aquele cara que estava todo confuso… quem ele era, que queria morrer

Porque não entendia que as coisas não funcionavam

Virou ativista… virei um defensor da causa “autística”

E agora eu estou aceitando me adaptar a algumas coisas, por exemplo, eu tenho fotossensibilidade grande

Então, eu ando na rua – até de noite – de óculos escuros

Eu uso protetor auditivo e antes disso eu tinha muita dor de cabeça, enxaqueca

Eu não entendi porque eu tinha isso

A minha esposa mesmo me disse uma vez antes de ela falar que eu poderia ser autista

Que eu tinha ido à 25 de março pra comprar material para trabalhar e passei muito mal, fiquei só meia hora lá

Eu fiquei tão mal a ponto de eu parar o carro e vomitar

Voltar dirigindo pra Cotia, onde eu morava na época

E apagar no trânsito

Eu desligava e hoje eu sei que isso é excesso de estímulo, que faz seu cérebro desligar pra te proteger

E quando eu cheguei em casa, pensei que ia parar no hospital por conta de uma dor de cabeça horrorosa

que eu pensei: não pode ser, eu tenho que ter um tumor na cabeça

E não era isso, era meu corpo se protegendo daquele excesso de barulho e de luz que eu tive na 25 de março

E tudo começou, eu não tinha nem nascido ainda

Minha mãe foi ao médico

e perguntou porque eu não mexia na barriga

O médico disse: “ele é preguiçoso, mãe, não se preocupa”

Eu nasci, demorei muito pra andar e pra falar

Minha mãe levou no pediatra e ele disse a mesma coisa

“Esse menino, mãe, não se preocupa Ele é muito preguiçoso”

E eu fiquei com esse estigma de ser preguiçoso

Então, eu era a criança preguiçosa.

Eu ia mal na escola porque não entendia português e matemática

Hoje eu sei que é normal autista ter discalculia

Que é problema em fazer cálculos

Eu sou a pessoa que se vai na padaria e o caixa me dá o troco, eu tenho que confiar que ela deu o troco certo

Eu tenho que usar os dedos pra contar

E ainda erro!

Por outro lado, eu consigo fazer softwares de computador. Eu sou o bobo e o gênio ao mesmo tempo

O autismo explica essas discrepâncias da minha vida

e mostra que, por um lado, tem essas coisas ruins

De eu não sentir dor, de eu passar muito mal com calor

Do outro, me permite ser quem eu sou

Se eu não fosse autista, eu não conseguiria fazer as coisas que eu faço

Eu não conseguiria pensar fora da caixa

Eu não conseguiria ser bonequeiro

Pegar uma ideia e transpor para algo físico

Isso é outra coisa que descobri como autista

que a nossa mente é muito visual

Finalmente eu descobri várias pessoas que pensam como eu, que têm um AUTO CAD na cabeça

É legal você perceber que existem outros iguais a você

E que você não está louco, e que você tem solução

Não é que você tem solução…

Você não precisa de uma solução

Porque você é perfeito

Apesar de ser socialmente imperfeito

Até comparando com a comunidade LGBT

Eu “saí do armário”

Eu estou me permitindo fazer as coisas que eu sempre contive, por exemplo, fazer estereotipia com a mão

Antes eu fazia meio oculto, embaixo da mesa

Agora não, eu faço à vista

Na minha mochila eu ando com um escrito “autista” pra ninguém me tirar do lugar preferencial, já que posso sentar

Porque passar mal em pé é uma coisa, passar mal sentado é muito melhor

E isso também está ajudando as pessoas ao meu redor a me respeitarem

Minha esposa me pergunta: “eu vou mudar tal coisa da casa. Tudo bem por você?”

Agora eu sei com antecedência

então eu não fico perdido dentro de casa

A minha mãe, que foi a pessoa que mais teve resistência de aceitar que eu sou autista

Hoje, quando vou visitá-la, ela pede pra pegar os cachorros pra não fazer barulho porque me incomoda

Diminui som… antes o pessoal estava nem aí pra mim

hoje todo mundo está me respeitando

Por estar me autoconhecendo e sempre descobrindo quem eu sou, a cada dia mais

Eu tô tendo a possibilidade de passar pra frente o que tenho aprendido

E isso também me faz bem porque eu vejo as pessoas melhorando

Se você vai em fóruns de discussão, tem muito autista que é triste, que não quer viver

E quando a pessoa vê que tem outros iguais a ela

que tipo “nossa, ele tá casado, tem filho, tem empresa”

“Então, a gente pode! A gente não é limitado”

A gente só é diferente

E isso é muito legal!

Fonte: ME DESCOBRI AUTISTA AOS 35 ANOS | Histórias de ter.a.pia #50 por ter.a.pia