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Autismo: desvendando os mitos sobre a culpa das mães – Instituto Farol – Episódio 143

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Olá, eu sou Thiago Lopes, Doutor em Psicologia e especialista em autismo precoce, e hoje estou aqui para discutir a seguinte questão: “Autismo: a culpa é da mãe?”. Essa pergunta fica aparecendo como algo pejorativo quando eu falo, né? E realmente é só que isso apareceu nos comentários de um vídeo que a gente fez, que foi aquele dos cinco coisas que você não deve falar para um pai ou mãe de criança com autismo. Muitos dos comentários relataram que ouvem essa acusação, que estou escutando de pessoas na rua, são uma nova versão da “mãe geladeira”.

Mas o que é essa história da “mãe geladeira”? Nos primórdios do autismo, quando começamos a identificar os sinais de uma criança com pouco interesse social, pouco orientação social, pouco engajamento e pouca reciprocidade social, acreditava-se que o autismo era causado por uma baixa interação e baixo cuidado, baixa afetividade por parte da mãe, que na época era culturalmente responsável pelo afeto da criança. Isso foi muito tempo, inclusive as crianças com autismo eram isoladas da família, porque percebia-se ou acreditava-se que o problema era a família.

Dentre as famílias de crianças com autismo, eu conheci alguns dos pais mais engajados, mais afetivos, mais empenhados na relação com os filhos que eu já vi na minha vida. Então, a gente sabe que isso não é verdade, e os estudos mais recentes apontam que o autismo é de origem genética e epigenética. Existe uma imensa parte do autismo que é respondida por variações genéticas, e cada ano descobrimos novas variações e mutações genéticas que têm relação com o autismo.

Agora, vamos lá, vamos pensar um pouco nesses comentários que a gente ouve. O primeiro deles que escreveram aqui para mim é: “Ah, mas é porque você sai pouco com esse menino, por isso que ele não se desenvolveu, por isso que ele tem autismo.” Gente, existe uma coisa que as pessoas esquecem, que é que relação não é igual a causalidade. Ou seja, sair pouco com a criança e ela ter sinais de autismo, as duas coisas acontecem. Muito provavelmente existe uma correlação, por exemplo, quantos mais as pessoas tomam sorvete, maior o número de afogamentos. Isso é uma correlação verdadeira, existe essa documentação, essa correlação documentada em pesquisa. Tomar sorvete causa afogamento? Não, quanto mais sol, quanto mais calor, mais as pessoas tomam sorvete, quanto mais pessoas nadam, mais pessoas se afogam. Então, existe essa correlação, mas não é uma relação causal.

Com relação às dificuldades de socialização que seu filho tem, quanto menos ele interage com outras crianças, quanto mais comportamentos agressivos ou inadequados ele tem, quanto mais você tem que explicar para as outras pessoas por que ele é diferente, quanto mais as pessoas têm dificuldade de compreender o funcionamento da criança com autismo, quanto mais ele tem sensibilidade ao som, quanto mais a sua criança com autismo tem aversão a outras pessoas, ou menos você quer sair de casa, não é você não sair de casa que causa o autismo. Não é uma relação causal. É claro que o conselho de sair de casa e expor a criança a diferentes situações é um bom conselho, desde que seja feito de forma sistemática, dentro dos limites da criança, avançando aos poucos para que ela possa construir flexibilidade mental e se adaptar a diferentes ambientes. Não adianta a gente meter o pé na jaca e fazer tudo de uma vez, não é assim que funciona com crianças com autismo.

O que mais a gente ouve é essa nova versão da “mãe geladeira”: “Seu filho ficou muito na televisão”. Gente, em tempos de pandemia, nos Estados Unidos, sabe qual é a média de tempo de qualidade que um pai tem com filho por dia? Em média, 7 minutos. Porque o resto do tempo a criança está no tablet, está na televisão. Como é a rotina de um pai norte-americano médio, não rico? Geralmente, eles têm dois empregos, acordam cedo, a criança fica na televisão, preparam a comida, tomam café correndo, se vestem, colocam no carro, levam na escola (que é em período integral), chegam em casa, colocam a criança na televisão, preparam o jantar, pegam a criança e deixam na televisão. Depois que jantou, ou até mesmo durante a janta, porque aí você descansa um pouco, arruma um pouco a casa, acabou o dia. Lê uma historinha quando ainda tem energia para ler uma historinha, a criança vai dormir e até o dia seguinte. A maior parte das vezes, os pais nesse ritmo de vida, sobretudo com dois empregos, que é muito frequente nos Estados Unidos, acaba não tendo tempo de interagir com a criança.

E aí, só porque essa criança passou tempo na televisão, isso gerou o autismo? Não. É claro que é um bom conselho a criança não passar tanto tempo na televisão, mas a maior parte das vezes as nossas crianças que estão em tratamento passam muito menos tempo na televisão do que as crianças típicas. A maior parte dos pais de crianças típicas não controlam tanto assim o tempo de televisão dos filhos. Por exemplo, meus filhos têm uma hora no máximo de televisão por dia, agora que eles já estão com cinco anos de idade, porque quando estavam no meio do tratamento com três anos de idade, aquele não era o foco. Eu não conheço praticamente uma criança típica que não tem televisão ou que não assiste televisão, ou que a televisão é tão controlada assim. Então, não é a televisão que causa autismo, e muitas vezes as crianças com autismo têm uma preferência muito maior por eletrônicos, e é muito mais difícil dizer não para essas crianças. As pessoas confundem relação com relação: é porque crianças com autismo buscam muitos eletrônicos, o eletrônico causa o autismo? Não, elas preferem objetos preferem imagens, preferem estimulações visuais. Por isso buscam muito mais a televisão, por isso buscam muito mais o tablet, por isso é muito mais difícil para um pai de criança com autismo falar não para os eletrônicos.

Então, gente, existem vários discursos que vêm na intenção de ajudar, mas que de certa forma acabam culpabilizando os pais, geralmente a mãe, pela origem do autismo, esquecendo que o autismo tem origem genética. Não é que a criança nasce com uma má-formação, por exemplo, no pezinho. Alguém vai culpar os pais porque ela tem uma má formação no pezinho. E por que será que a gente muitas vezes acha formas indiretas para culpabilizar os pais de crianças com autismo pela dificuldade de comunicação social, de interação social e de interesse social que ele tem? Então, gente, os pais fazem o melhor que podem, e muitas vezes com falta de recurso, falta de informação. E muitas vezes são os melhores pais que eu já conheci na minha vida. Então, vamos tentar reduzir esse tipo de discurso.

Muito obrigado pela participação de vocês, se vocês acham que esse vídeo pode ser útil para outras pessoas, não se esqueça de compartilhar nos grupos de WhatsApp, no grupo de pais de crianças com autismo, com as pessoas da sua família. Se você é pai ou profissional, deixe aqui também seu comentário e sugestões para novos vídeos para que a gente possa conversar cada vez mais com vocês e ajudar mais famílias. Se inscreva aqui para o canal crescer cada vez mais e ajudar cada vez mais pessoas. Muito obrigado pela sua participação e até mais.

Fonte: AUTISMO: A CULPA É DA MÃE? – Instituto Farol – EP#143 por Dr. Thiago Lopes Desenvolvimento Infantil |Autismo